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Publicado: 26 Mai 2007
“O Brasil é o 5º maior exportador mundial de carne de cavalo e tem a 2ª maior tropa eqüina do mundo, com 5,9 milhões de cabeças. Em 2005, o Brasil exportou US$ 64,1 milhões em carne eqüina para países como Bélgica, Holanda, Itália, Japão, França, Austrália e Finlândia. Embarcada sob a forma de enlatados, a carne serve ao consumo de animais domésticos, mas também são produzidos cortes especiais para consumo humano. Há, no Brasil, sete grandes abatedouros exclusivos de cavalos, todos multinacionais. A indústria frigorífica movimenta R$ 80 milhões no país e emprega mil pessoas”. Essa notícia, publicada no jornal Valor Econômico (1), nos dá um bom panorama da indústria da carne de cavalo no Brasil e é oportuna para abrir a discussão sobre o tema.
Matadouros de cavalos e outras atrocidades:
Há alguns anos a imprensa noticiou a crueldade presente em alguns matadouros de cavalos, causando comoção nacional: 12 horas antes do abate eles eram privados de água e alimento, para amaciar a carne; eram conduzidos molhados a um corredor e dali tangidos com choques elétricos de 240 volts; a seguir tomavam uma pancada na cabeça e tinham suas patas cortadas com machado, tesoura grande ou serra, de forma a esgotar todo o sangue. Os animais, ainda vivos e com esses ferimentos terríveis, eram colocados em uma estufa para suar e com isso eliminar o “mal educado” cheiro de cavalo de sua carne (2). Imagens que respaldam, pelo menos em parte, tais denúncias aparecem no documentário “Vida de cavalo”, do Instituto Nina Rosa, e na Internet (3).
Durante quase duas semanas essas imagens horrendas povoaram os pesadelos de muitos de nós, o que nos levou a entrar em contato por e-mail com um desses abatedouros. O teor dos três e-mails enviados, o primeiro em 08 de março desse ano, foi o seguinte: “Gostaríamos de saber a procedência da carne dos eqüídeos que são abatidos (por exemplo, são criados para este fim ou são provenientes de veículos de tração animal, fazendas, equitação, etc) e qual método é usado no abate - sobretudo o processo de insensibilização?”; Até o momento não houve resposta.
Tudo isso só aumenta a nossa angústia, pois a lei nº 7.291, de 19/12/1984, que regulamenta as atividades da eqüideocultura no Brasil, tampouco é esclarecedora no que tange ao abate (capítulo V). Seus dois artigos - baseados numa razão totalmente instrumental e antropocêntrica - limitam-se tão-somente a assegurar o máximo proveito dos produtos que resultam do abate dos pobres animais, tais como fiscalização para garantir a qualidade da carne, em termos sanitários, e a não extinção dos rebanhos. Não há preocupação alguma com os animais, nem sequer quanto ao bem-estar.
Outros assassinatos de eqüídeos ocorrem em nosso país e no resto do mundo. Um caso triste e bem conhecido é o dos cavalos selvagens de Dartmoor e New Forest, no Reino Unido. Mas não precisamos ir longe. Em 2003 centenas de jegues foram mortos em Quixeramobim, no estado do Ceará, a golpes de pá, porque sua grande população estava supostamente atrapalhando o trânsito nas estradas. Esses indefesos animais, que por longo tempo foram úteis bestas de carga, são agora eliminados como objetos obsoletos, mortos de uma forma cruel que prioriza soluções de baixo custo em detrimento de um mínimo de bem-estar para os animais. Os jegues também são abatidos para virar comida.
Se a própria lei é omissa no que tange à forma como os animais devem ser abatidos em estabelecimentos oficiais (embora isso não os isente de observância à lei 9.605/98 e ao artigo 225 da Constituição), o que esperar de matadouros clandestinos? Em uma operação realizada pelo Ministério Público e outras instituições (em 23/09/05), foram apreendidos cerca de 500 kg de carne de cavalo proveniente de um matadouro em Bicas - MG, no qual duas agendas com diversos nomes e endereços de restaurantes de Juiz de Fora foram encontradas. Durante a fiscalização em um deles, foram achados 3 kg de carne moída com as mesmas características do produto que estava no matadouro (4).
Como morrem os animais, em lugares assim? De uma forma ou de outra, os animais que abatemos para consumo imploram por suas vidas nos corredores da morte, seja em relativo silêncio, ou fazendo uso de suas vozes, de suas formas de expressão: relinchos, grunhidos, cacarejos. Raramente alguém pensa que, em sua condição de seres sencientes, os animais experimentam basicamente as mesmas emoções que nós, tais como ansiedade, angústia e mesmo pavor.
Talvez seja até pior para eles, pois é possível que seus órgãos dos sentidos, mais refinados que os nossos em muitos aspectos, lhes dêem uma noção ainda mais aterradora sobre seu imediato porvir. Eles não entendem porque isso - uma morte cruel - lhes sucede. E talvez se perguntem: O que está acontecendo? E por quê?
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Paula Brügger é professora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina. É graduada em Ciências Biológicas com especialização em Hidroecologia, Mestra em Educação e Doutora em "Sociedade e Meio Ambiente". Atua na defesa dos animais e do meio ambiente e auxiliou diversas vezes o Ministério Público Federal na luta contra projetos de pseudo desenvolvimento que promovem exclusão social e a destruição da natureza. É autora dos livros "Educação ou adestramento ambiental?", em 3ª edição, e "Amigo Animal - reflexões interdisciplinares sobre educação e meio ambiente: animais, ética, dieta, saúde, paradigmas. Coordena o projeto de educação ambiental "Amigo Animal", oferecido para escolas das redes municipal como tema transversal. Coordena o Dep. De Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira.
(1) Valor Econômico; 19/07/06; veja também “Na mesa, o bife de cavalo”; O Globo – RJ; 19/10/2005)
(2): (http://quatropatasecia.chbr.net/p/informativo/informacoes/holocausto.htm)
(3): http://www.floraisecia.com.br. Clicar em Rildo Silveira Ppss – “matadouros de cavalos”.
(4): “Carne de cavalo foi vendida a restaurantes de JF”; www.acessa.com; 23/09/05)
Há alguns anos a imprensa noticiou a crueldade presente em alguns matadouros de cavalos, causando comoção nacional: 12 horas antes do abate eles eram privados de água e alimento, para amaciar a carne; eram conduzidos molhados a um corredor e dali tangidos com choques elétricos de 240 volts; a seguir tomavam uma pancada na cabeça e tinham suas patas cortadas com machado, tesoura grande ou serra, de forma a esgotar todo o sangue. Os animais, ainda vivos e com esses ferimentos terríveis, eram colocados em uma estufa para suar e com isso eliminar o “mal educado” cheiro de cavalo de sua carne (2). Imagens que respaldam, pelo menos em parte, tais denúncias aparecem no documentário “Vida de cavalo”, do Instituto Nina Rosa, e na Internet (3).
Durante quase duas semanas essas imagens horrendas povoaram os pesadelos de muitos de nós, o que nos levou a entrar em contato por e-mail com um desses abatedouros. O teor dos três e-mails enviados, o primeiro em 08 de março desse ano, foi o seguinte: “Gostaríamos de saber a procedência da carne dos eqüídeos que são abatidos (por exemplo, são criados para este fim ou são provenientes de veículos de tração animal, fazendas, equitação, etc) e qual método é usado no abate - sobretudo o processo de insensibilização?”; Até o momento não houve resposta.
Tudo isso só aumenta a nossa angústia, pois a lei nº 7.291, de 19/12/1984, que regulamenta as atividades da eqüideocultura no Brasil, tampouco é esclarecedora no que tange ao abate (capítulo V). Seus dois artigos - baseados numa razão totalmente instrumental e antropocêntrica - limitam-se tão-somente a assegurar o máximo proveito dos produtos que resultam do abate dos pobres animais, tais como fiscalização para garantir a qualidade da carne, em termos sanitários, e a não extinção dos rebanhos. Não há preocupação alguma com os animais, nem sequer quanto ao bem-estar.
Outros assassinatos de eqüídeos ocorrem em nosso país e no resto do mundo. Um caso triste e bem conhecido é o dos cavalos selvagens de Dartmoor e New Forest, no Reino Unido. Mas não precisamos ir longe. Em 2003 centenas de jegues foram mortos em Quixeramobim, no estado do Ceará, a golpes de pá, porque sua grande população estava supostamente atrapalhando o trânsito nas estradas. Esses indefesos animais, que por longo tempo foram úteis bestas de carga, são agora eliminados como objetos obsoletos, mortos de uma forma cruel que prioriza soluções de baixo custo em detrimento de um mínimo de bem-estar para os animais. Os jegues também são abatidos para virar comida.
Se a própria lei é omissa no que tange à forma como os animais devem ser abatidos em estabelecimentos oficiais (embora isso não os isente de observância à lei 9.605/98 e ao artigo 225 da Constituição), o que esperar de matadouros clandestinos? Em uma operação realizada pelo Ministério Público e outras instituições (em 23/09/05), foram apreendidos cerca de 500 kg de carne de cavalo proveniente de um matadouro em Bicas - MG, no qual duas agendas com diversos nomes e endereços de restaurantes de Juiz de Fora foram encontradas. Durante a fiscalização em um deles, foram achados 3 kg de carne moída com as mesmas características do produto que estava no matadouro (4).
Como morrem os animais, em lugares assim? De uma forma ou de outra, os animais que abatemos para consumo imploram por suas vidas nos corredores da morte, seja em relativo silêncio, ou fazendo uso de suas vozes, de suas formas de expressão: relinchos, grunhidos, cacarejos. Raramente alguém pensa que, em sua condição de seres sencientes, os animais experimentam basicamente as mesmas emoções que nós, tais como ansiedade, angústia e mesmo pavor.
Talvez seja até pior para eles, pois é possível que seus órgãos dos sentidos, mais refinados que os nossos em muitos aspectos, lhes dêem uma noção ainda mais aterradora sobre seu imediato porvir. Eles não entendem porque isso - uma morte cruel - lhes sucede. E talvez se perguntem: O que está acontecendo? E por quê?
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Paula Brügger é professora do Departamento de Ecologia e Zoologia da Universidade Federal de Santa Catarina. É graduada em Ciências Biológicas com especialização em Hidroecologia, Mestra em Educação e Doutora em "Sociedade e Meio Ambiente". Atua na defesa dos animais e do meio ambiente e auxiliou diversas vezes o Ministério Público Federal na luta contra projetos de pseudo desenvolvimento que promovem exclusão social e a destruição da natureza. É autora dos livros "Educação ou adestramento ambiental?", em 3ª edição, e "Amigo Animal - reflexões interdisciplinares sobre educação e meio ambiente: animais, ética, dieta, saúde, paradigmas. Coordena o projeto de educação ambiental "Amigo Animal", oferecido para escolas das redes municipal como tema transversal. Coordena o Dep. De Meio Ambiente da Sociedade Vegetariana Brasileira.
(1) Valor Econômico; 19/07/06; veja também “Na mesa, o bife de cavalo”; O Globo – RJ; 19/10/2005)
(2): (http://quatropatasecia.chbr.net/p/informativo/informacoes/holocausto.htm)
(3): http://www.floraisecia.com.br. Clicar em Rildo Silveira Ppss – “matadouros de cavalos”.
(4): “Carne de cavalo foi vendida a restaurantes de JF”; www.acessa.com; 23/09/05)